Sexta-feira chegou, e em Salvador, o ritual de sentar em um bar para tomar uma cerveja gelada é quase sagrado. No entanto, um dos petiscos favoritos dos baianos, a lambreta, está se tornando uma raridade no cardápio dos bares e restaurantes da cidade. Empresários do setor estão enfrentando dificuldades para encontrar o molusco, gerando prejuízos durante a alta temporada.
Desde setembro de 2024, fornecedores vêm alertando sobre a escassez da lambreta, e o problema piorou nas últimas semanas com o aumento da demanda típico do verão. A pesca do molusco, feita de forma artesanal em manguezais no Baixo Sul e no Recôncavo Baiano, não tem acompanhado o crescimento da procura.
A via crucis dos consumidores
Para os amantes da lambreta, a busca pelo petisco virou quase uma missão. A biomédica Fernanda Carvalho, por exemplo, enfrentou frustrações em três estabelecimentos diferentes em Salvador. Na última tentativa, em um restaurante no Dois de Julho, ela não resistiu e perguntou: “Vem cá, não tem mais lambreta em Salvador, é?”. A resposta, infelizmente, reflete a realidade: as lambretas estão cada vez mais difíceis de encontrar, e quando aparecem, chegam pequenas e caras.
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Eliene Cunha, dona do restaurante Koisa Nossa, na Mouraria, compartilha a frustração. “Fiz um pedido de 100 dúzias e só chegaram 30. Os clientes pedem, e quando não temos, muitos vão embora. Isso prejudica muito as vendas”, conta. Com a demanda em alta e o estoque terminando cedo, Eliene viu os preços dispararem. A dúzia, que antes custava em média R$ 12, chegou a R$ 20.
Entendendo o problema
A escassez da lambreta é um problema complexo. Especialistas apontam para a falta de mão de obra suficiente nas comunidades pesqueiras e para as limitações da produção artesanal. Além disso, fatores ambientais têm impactado diretamente a oferta.
Segundo Roberto Pantaleão, assessor técnico da Bahia Pesca, as lambretas fazem parte do grupo de animais bioindicadores, ou seja, são altamente sensíveis a mudanças no ambiente. “Uma enxurrada, por exemplo, faz com que elas fiquem fechadas por dias. Qualquer alteração mais severa pode impedir seu desenvolvimento”, explica.
Outra questão levantada é que os fornecedores estão priorizando vendas para estabelecimentos próximos aos manguezais, onde o transporte é mais vantajoso. Em Salvador, chegam apenas quantidades menores, e muitas vezes, com qualidade inferior.
O impacto na economia local
A lambreta é mais do que um petisco. Sua pesca sustenta famílias de marisqueiras em localidades como Cairu, Valença, Taperoá e Nilo Peçanha. Em Guarapuá, na Ilha de Tinharé, a coleta do molusco é uma tradição de mais de 30 anos. Contudo, as dificuldades na pesca refletem diretamente na renda dessas comunidades e na oferta para a capital baiana.
“Os animais que chegam são muito pequenos, o que indica que não estão crescendo como deveriam nos manguezais. Isso é um alerta para todos nós”, comenta Ricardo Oliveira, proprietário do Boteco Lambretão, em Itapuã.
Um Futuro Incerto
Enquanto os bares e restaurantes tentam contornar a situação, os consumidores seguem em busca da iguaria que tanto combina com os momentos de lazer no verão. Mesmo diante da dificuldade, Fernanda Carvalho não desiste. “Vou continuar procurando porque a última vez que comi foi no ano passado. A vontade só aumenta!”, declara.
A situação exige atenção, não apenas dos empresários, mas também de órgãos ambientais e do governo. Investimentos em capacitação para as comunidades pesqueiras, melhorias na logística de transporte e estudos sobre os impactos das mudanças climáticas podem ajudar a mitigar o problema.
Enquanto isso, quem quiser saborear uma boa lambreta terá que contar com a sorte – ou com uma boa dose de paciência. Afinal, em Salvador, a lambreta é muito mais do que comida: é cultura, é identidade e é um pedacinho da Bahia que todos esperam ver de volta nos cardápios.
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