As mãos que antes eram vistas como símbolo de afeto e acolhimento, hoje também seguram fuzis e comandam ataques armados. O avanço das mulheres no crime organizado não é novidade, mas a forma como elas passaram a ocupar funções estratégicas dentro das facções chama atenção das autoridades. Se no passado sua participação se limitava a papéis de apoio, como transportar mensagens ou auxiliar parceiros, hoje elas estão na linha de frente, comandam grupos armados, gerenciam o tráfico e até lideram organizações criminosas.
Na Bahia, esse protagonismo ganhou contornos ainda mais claros nos últimos anos. Casos recentes revelam uma presença feminina decisiva em disputas territoriais e na manutenção da estrutura criminosa de facções locais.
Da “Diaba Loira” à “Raposa do BDM”
O nome de Eweline Passos Rodrigues, a “Diaba Loira”, ganhou repercussão nacional após ela trocar de facção – deixando o Comando Vermelho (CV) para ingressar no Terceiro Comando Puro (TCP). A trajetória, no entanto, terminou em confronto armado no Rio de Janeiro, no último dia 15, que resultou em sua morte.
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Na Bahia, a figura que mais se aproxima desse perfil é Keila Luiza Silva Souza, conhecida como “Raposa do BDM”. Assim como Eweline, Keila não se limitava ao apoio: ela comandava “bondes”, grupos fortemente armados, e se camuflava com trajes militares em incursões contra rivais. Ligada ao traficante Salut, a Raposa sobreviveu a um confronto contra o CV em abril deste ano, mas foi presa logo em seguida.
A ascensão de “A Coroa” e Monique
Outra personagem de destaque é Kátia Macedo Souza, de 35 anos, apelidada de “A Coroa”. Após a morte do marido, o traficante conhecido como Nego do Borel, ela assumiu o comando do BDM em Cruz das Almas. Segundo a Polícia Civil, Kátia coordenava ações no Recôncavo Baiano, envolvendo lavagem de dinheiro e homicídios de rivais. A criminosa foi presa no dia 20 deste mês, na BR-101, quando dirigia um carro de luxo.
Também ligada ao BDM, Monique ganhou notoriedade após ser presa em Salvador, no início de agosto. Considerada gerente da facção, ela foi flagrada transportando drogas, munições e R$ 30 mil em espécie. A investigação aponta que Monique também atuava como elo direto com seu companheiro, “Motoboy”, líder da organização em Feira de Santana, atualmente preso.
Do tráfico local à rota internacional
Se algumas mulheres se destacam em disputas regionais, outras expandiram sua atuação para além das fronteiras. Jasiane Silva Teixeira, a “Dona Maria”, é considerada uma das criminosas mais perigosas do país. Acusada de homicídios, tráfico internacional e corrupção, ela chegou a operar rotas aéreas de drogas a partir da Bolívia, Colômbia, Venezuela e Peru. Sua prisão, em janeiro deste ano, interrompeu uma trajetória de mais de uma década no crime organizado.
Outro exemplo é o da advogada Andressa Cunha Rocha, denunciada pelo Ministério Público na operação Skywalker. Ela é acusada de estruturar esquemas de lavagem de dinheiro do Comando Vermelho, movimentando mais de R$ 1,2 milhão em nome da facção e prestando suporte jurídico ao líder Heverson Almeida Torres, o “Mil Grau”.
Poder herdado e violência continuada
O fenômeno também se repete em dinastias do crime. Em outubro de 2022, Fabíola Floquet Miranda Caldas, filha da traficante Selma Floquet, foi assassinada em Salvador. Aos 32 anos, já era apontada como gerente do BDM e seguia os passos da mãe, presa em 2016. Sua morte expôs o peso da herança familiar dentro das facções.
Igualdade também no crime
Para a desembargadora Nágila Brito, presidente do Colégio de Coordenadores da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar do Judiciário, a presença feminina nas organizações criminosas é reflexo da busca por protagonismo em diferentes esferas da sociedade. “Assim como no Judiciário, na política e em tantas áreas, as mulheres querem ocupar cargos de liderança. Infelizmente, no crime, não é diferente. Hoje, elas disputam espaço de igual para igual”, afirmou.
A magistrada lembra ainda que, independentemente da posição que ocupam, os impactos familiares são devastadores. “Os filhos dessas mulheres acabam sendo as vítimas secundárias. Quando uma mãe é presa ou morta, essas crianças crescem marcadas pelo trauma da ausência materna”, destaca.
Um fenômeno em expansão
As histórias de Raposa, Coroa, Monique, Dona Maria e tantas outras revelam que a presença feminina no crime não é mais exceção. Ao contrário, mostra um movimento crescente de mulheres que não apenas participam, mas assumem papéis de liderança, reorganizam facções e controlam territórios.
Essa transformação impõe novos desafios para a segurança pública, que passa a enfrentar quadrilhas mais complexas e diversificadas. Ao mesmo tempo, escancara como a busca por poder e protagonismo, que se reflete em tantos setores da sociedade, também encontra espaço no submundo do crime.
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