Foi por pouco: STJ quase põe na rua liderança do BDM para cuidar de filho autista

Por pouco, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) não devolveu às ruas um dos principais chefes do crime organizado na Bahia. Venício Bacelar Costa, conhecido como “Fofão” ou “Doido”, quase deixou o Conjunto Penal de Serrinha — uma das unidades de segurança máxima do estado — após o ministro Ribeiro Dantas converter sua prisão preventiva em domiciliar. A justificativa: o traficante seria necessário nos cuidados com o filho, uma criança autista de dois anos, diagnosticada com o nível mais severo do transtorno.

A decisão, tomada no início de outubro, atendeu parcialmente a um pedido da defesa. O argumento central foi o direito da criança a uma convivência familiar mínima e o impacto emocional causado pela ausência do pai. No entanto, a liberdade não se concretizou. Coincidentemente, no mesmo período, a Justiça baiana decretou uma nova prisão preventiva contra o acusado, com base em outro processo, impedindo sua saída.

Um nome de peso no crime baiano

“Fofão” é apontado pelas forças de segurança como um dos principais “torres” do Bonde do Maluco (BDM), expressão usada para designar os responsáveis por coordenar o tráfico e outras atividades criminosas em áreas específicas. Esse papel é estratégico: o “torre” funciona como uma espécie de gerente de operações, garantindo que ordens sejam cumpridas e os lucros, assegurados.

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O BDM, criado há mais de uma década, é hoje uma das facções mais violentas e influentes da Bahia. Está envolvido em uma série de homicídios e chacinas — entre eles, a tragédia de Portão, em 2019, quando cinco pessoas foram executadas, três da mesma família. O grupo também foi responsabilizado por mortes emblemáticas, como a do percussionista Renato Santos Evangelista Sobrinho, em 2021, e do policial civil Luiz Alberto dos Santos, em 2017.

Com o avanço das forças rivais, o BDM se aliou ao Terceiro Comando Puro (TCP), do Rio de Janeiro, fortalecendo seu arsenal e rede de apoio logístico. Essa parceria ampliou o alcance da facção baiana e dificultou a ação das autoridades.

A decisão do STJ e a justificativa humanitária

O Correio teve acesso exclusivo à decisão do ministro Ribeiro Dantas. Nela, o magistrado reconhece que “Fofão” é um indivíduo de “altíssima periculosidade”, mas argumenta que a situação do filho exige atenção especial.

Segundo o documento, o menino foi diagnosticado com transtorno do espectro autista nível 3, o mais grave segundo a classificação médica. A condição implica dependência integral de supervisão e cuidados constantes. A defesa alegou que a mãe da criança não consegue lidar sozinha com as crises do filho e que, na presença do pai, o comportamento do menino melhora visivelmente.

Trechos da decisão reforçam o caráter humanitário da medida:

“A mãe não consegue controlá-lo sozinha, tem atualmente uma ajudante para contê-lo, pois não tem parada e não a deixa ter um minuto de sossego”, registra o documento.

Mesmo reconhecendo os riscos, o ministro decidiu substituir a prisão preventiva por prisão domiciliar humanitária, determinando uso de tornozeleira eletrônica e advertindo que qualquer violação das medidas resultaria em nova prisão.

A reviravolta: nova prisão preventiva

O alívio, no entanto, durou pouco. No mesmo dia em que o STJ oficializou a decisão, a 2ª Vara de Garantias de Salvador determinou uma nova prisão preventiva contra “Fofão”, a pedido do Ministério Público da Bahia (MP-BA). A medida teve como base um extenso relatório do Departamento de Repressão e Combate à Corrupção, ao Crime Organizado e à Lavagem de Dinheiro (Draco), que apontou a atuação contínua do réu como líder de um dos núcleos operacionais do BDM.

De acordo com o juiz Moisés Argones Martins, a organização mantém estrutura “hierarquizada e estável”, com base consolidada em Vilas de Abrantes, município de Camaçari, e ramificações em outras regiões do estado. “A gravidade da conduta, aliada à sua posição de comando em facção de alta periculosidade, evidencia o potencial de reiteração delitiva”, afirma o magistrado.

Interceptações telefônicas, quebra de sigilos bancário e fiscal e monitoramento eletrônico confirmaram o vínculo de “Fofão” com a facção. O juiz concluiu que sua soltura colocaria em risco a ordem pública e o andamento das investigações.

Um caso que reacende o debate jurídico

O episódio reacende uma discussão sensível no meio jurídico: até que ponto direitos familiares e humanitários podem se sobrepor ao interesse público e à segurança coletiva? Para juristas, decisões como essa revelam os dilemas enfrentados pelo sistema de Justiça ao equilibrar garantias individuais e o combate ao crime organizado.

Enquanto isso, “Fofão” permanece preso em Serrinha, e o caso segue sob acompanhamento do Ministério Público e da Polícia Civil.

 

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