O Brasil pode estar prestes a passar por uma das maiores atualizações em seu ordenamento jurídico desde 2002, quando entrou em vigor o atual Código Civil. Com o Projeto de Lei 4/2025, apresentado no Senado em janeiro deste ano, a proposta é modificar mais de 800 artigos da legislação vigente e incluir cerca de 300 novos dispositivos. O objetivo? Atualizar o Código para refletir as transformações sociais, culturais e familiares das últimas décadas.
Entre os temas de maior impacto está a ampliação do conceito de família, que passa a incluir laços construídos pelo afeto, e não apenas pelos vínculos biológicos. A chamada socioafetividade ganha destaque no texto, assim como a união homoafetiva, já reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) desde 2011, mas até hoje ausente na letra da lei.
Divórcio mais acessível e menos burocrático
Um ponto considerado revolucionário pelos especialistas é a proposta do divórcio unilateral em cartório. Hoje, a separação extrajudicial só é possível quando há consenso entre os cônjuges e ausência de filhos menores de idade ou incapazes. Com a mudança, um dos membros do casal poderá solicitar o divórcio diretamente no cartório, mesmo sem o aval da outra parte, desde que haja assistência jurídica.
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A medida, segundo a advogada Verena Horta, fortalece a autonomia individual e reduz os impactos emocionais e financeiros de uma separação. “A proposta evita que pessoas em relacionamentos abusivos fiquem presas a um vínculo formal apenas por falta de consentimento do outro”, explica.
No entanto, a proposta também exige cautela. A advogada Lara Soares ressalta que, em casos de dependência econômica ou emocional, a separação unilateral pode deixar a parte mais vulnerável em desvantagem. Por isso, o projeto prevê garantias mínimas de assistência e acompanhamento jurídico.
Guarda, pensão e até animais de estimação entram na pauta
Outra inovação é a possibilidade de definir, sem necessidade de processo judicial, o pagamento de pensão alimentícia e guarda de filhos menores de 18 anos. A medida visa desburocratizar situações familiares e estimular acordos amigáveis, sempre com supervisão legal.
O projeto também amplia o conceito de dependente: não apenas filhos menores, mas qualquer pessoa sob guarda, curatela ou dependência financeira reconhecida poderá ser incluída — o que pode envolver sogros, sobrinhos, primos e outros parentes próximos.
E não para por aí. Animais de estimação também foram contemplados no novo texto. Os pets passam a ser reconhecidos como seres sencientes, ou seja, capazes de sentir emoções. Com isso, os custos com alimentação, cuidados veterinários e bem-estar poderão ser compartilhados entre os ex-companheiros após a separação, reconhecendo o valor afetivo dos animais no núcleo familiar.
Fim do regime obrigatório de separação de bens para idosos
Outra mudança relevante é o fim da exigência de separação obrigatória de bens para pessoas com mais de 70 anos. Essa regra, considerada ultrapassada, já havia sido questionada pelo STF, que entendeu que ela fere o direito à autodeterminação das pessoas idosas.
Segundo a advogada Verena Horta, a mudança corrige uma distorção com viés etarista: “Presumir que idosos não têm capacidade para gerir seu patrimônio apenas pela idade é um retrocesso. O novo texto traz mais liberdade e respeita a pluralidade das relações afetivas na velhice.”
Proposta nasce de comissão de juristas, mas carece de debate público
O texto apresentado ao Senado é fruto de um anteprojeto elaborado por uma comissão de 37 juristas, sob coordenação do ministro do STJ Luís Felipe Salomão. A proposta foi entregue pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), mas ainda não tem data definida para ser discutida em plenário.
Embora tenha potencial para modernizar profundamente o Direito de Família no Brasil, o projeto ainda enfrenta críticas pela falta de debate com a sociedade civil, o que pode atrasar sua tramitação e gerar resistências em pontos mais sensíveis.
Em resumo
A proposta de reforma do Código Civil pretende:
- Reconhecer juridicamente vínculos familiares por afeto, inclusive homoafetivos;
- Permitir divórcio unilateral em cartório;
- Ampliar o conceito de dependente para além dos filhos;
- Incluir animais de estimação como sujeitos de proteção familiar;
- Eliminar regras etaristas sobre casamento entre idosos.
Se aprovada, essa nova legislação terá impacto direto e profundo na vida dos brasileiros — em como nos relacionamos, nos separamos e cuidamos uns dos outros, inclusive nossos pets. Trata-se de uma tentativa de alinhar o Direito à realidade contemporânea, mais plural, diversa e sensível às nuances da vida moderna.
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