Traficantes expulsam moradores do Minha Casa Minha Vida e dominam imóveis

O sonho da casa própria se tornou um pesadelo para muitos beneficiários do programa Minha Casa Minha Vida. O que deveria ser um símbolo de conquista e segurança, hoje é sinônimo de medo e incerteza para diversas famílias, que estão sendo expulsas de seus lares pelo crime organizado. A presença do tráfico de drogas nos conjuntos habitacionais tem transformado a rotina dos moradores em um verdadeiro campo de batalhas silenciosas, onde a regra é a submissão ou o exílio forçado.

Muitos contemplados pelo programa já foram expulsos ou receberam ameaças diretas para deixarem seus imóveis. O motivo? Traficantes impõem o controle absoluto sobre as moradias, proibindo a permanência de qualquer pessoa que tenha vínculos com policiais civis ou militares. Além disso, unidades desocupadas são vendidas ilegalmente em plataformas de compra e venda na internet. Em Salvador, esse problema persiste há pelo menos oito anos em cinco conjuntos habitacionais. Fora da capital baiana, cidades como Simões Filho, Feira de Santana, Santo Amaro da Purificação e Jequié também enfrentam o mesmo drama.

A realidade do medo

Os relatos de quem vive sob a ameaça do tráfico são assustadores. Um ex-morador do Conjunto Residencial Fazenda Grande II descreveu o terror vivido por sua família:

“Eles entraram no prédio batendo em porta em porta, ordenando que qualquer pessoa com laços com policiais saísse imediatamente. Estavam fortemente armados, com fuzis e pistolas. Era um grupo grande e muito agressivo”, conta.

Após ser expulso, ele viu seu apartamento ser alugado para um traficante conhecido como ‘Menor’. Agora, sem residência fixa, sobrevive fazendo pequenos trabalhos e pagando R$ 540 de aluguel em outro local.

A prática de expulsão de moradores tem um objetivo claro: obter imóveis para comercialização ilegal. “No Facebook e na OLX, há vários anúncios de venda de apartamentos que pertenciam a pessoas expulsas. Os preços variam entre R$ 10 mil e R$ 20 mil. Esse dinheiro, muito provavelmente, é investido na compra de drogas e armas”, revela um morador que prefere se manter anônimo.

Controle total do tráfico

O domínio do crime organizado não se limita às ameaças e expulsões. Em diversos conjuntos habitacionais, síndicos, administradores e líderes comunitários sofrem intimidações diárias. Quem tenta buscar ajuda das autoridades é ameaçado de morte. Os criminosos impõem regras rígidas:

  • Nenhum serviço público pode ser solicitado sem a aprovação prévia do tráfico, incluindo limpeza e manutenção;
  • Em caso de desentendimentos entre vizinhos, a polícia não pode ser acionada. Quem quebrar essa regra pode pagar com a própria vida;
  • Durante operações policiais, os moradores são obrigados a abrir suas casas para que os traficantes possam se esconder ou fugir.

O silêncio que grita

No Bosque das Bromélias, às margens da rodovia Cia-Aeroporto, o medo impõe o silêncio. Mesmo assim, longe dos olhos atentos dos “olheiros” do tráfico, alguns moradores relatam a dura realidade.

Uma diarista contou que sua filha precisou abandonar a casa após ser sequestrada e espancada por traficantes. “Achavam que ela estava passando informações para a polícia, mas, na verdade, falava comigo. Nós nos falávamos todas as noites, pois trabalho no centro de Salvador. Agora, ela teve que ir embora. E eu também estou de mudança. Não dá para viver assim, nessa tensão. Vou para o interior, para a casa de parentes, recomeçar a vida”, desabafa.

Enquanto algumas famílias fogem, outras tentam minimizar o impacto dessa realidade. Em contrapartida, há aqueles que, por medo, preferem negar a existência do problema. “Aqui sempre foi um lugar pacífico. Acho estranho as pessoas falarem isso. Tem muita gente querendo morar aqui”, disse uma mulher ao ser questionada pela reportagem.

Quando a violência vira rotina

Os casos de violência associados ao tráfico são frequentes. Um dos episódios mais marcantes aconteceu em janeiro de 2019, quando Jonas Ribeiro dos Santos Neto, de 17 anos, foi sequestrado e assassinado. O jovem foi retirado de um ônibus no Bosque das Bromélias por homens armados e seu corpo foi encontrado no porta-malas de um carro. O crime ocorreu porque ele morava em uma área dominada pelo Comando Vermelho (CV) e, ao visitar um bairro sob o domínio do Bonde do Maluco (BDM), foi identificado como “inimigo”.

Desalojados pelo medo

No Conjunto Residencial Bate Coração, no bairro Alto de Coutos, uma família teve que sair às pressas porque uma das crianças estudava em um Colégio Militar. “Viram o menino fardado e não quiseram saber. No mesmo dia, a mudança foi feita às pressas”, relatou um morador. Além disso, os traficantes agora estão vendendo espaços comuns dos prédios para comércio ilegal, transformando áreas públicas em bares, depósitos e pontos de venda de recicláveis.

A lista de locais afetados pelo domínio do tráfico inclui os conjuntos habitacionais:

  • Bosque das Bromélias (Cia-Aeroporto)
  • Fazenda Grande II (Cajazeiras)
  • Lagoa da Paixão (Alto de Coutos)
  • Coração de Maria (Simões Filho)
  • Bon Juá (Retiro)
  • São Cristóvão (Planeta dos Macacos)
  • Feira de Santana (vários conjuntos)
  • Santo Amaro da Purificação
  • Jequié

O que dizem as autoridades?

Apesar das inúmeras denúncias feitas por moradores, as respostas das autoridades são limitadas. O Ministério Público Federal (MPF) afirmou que sua atuação no Minha Casa Minha Vida se restringe a questões relacionadas à Caixa Econômica Federal, como fraudes e atrasos na entrega de imóveis. Já o Ministério Público do Estado informou que não há registros formais sobre esse tipo de denúncia em seu sistema.

A Polícia Civil e a Polícia Militar também foram procuradas, mas, até o momento, não deram retorno sobre as medidas adotadas para combater essa grave situação.

Uma realidade que precisa mudar

A presença do crime organizado nos conjuntos habitacionais do Minha Casa Minha Vida coloca em risco a segurança de milhares de famílias. Enquanto a impunidade prevalece, moradores continuam a viver sob ameaças constantes, sem perspectiva de uma solução definitiva.

As histórias de pessoas que tiveram que abandonar suas casas mostram que o sonho da casa própria, para muitos, se tornou um pesadelo. A pergunta que fica é: até quando o poder público permitirá que o crime dicte as regras em um programa criado para oferecer dignidade e segurança às famílias brasileiras?

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