Entidades que descontaram de aposentados contrataram operadores como o ‘Careca do INSS’

O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) identificou um novo e alarmante desdobramento no esquema de fraudes conhecido como “Farra do INSS”. Um levantamento realizado no sábado, 4 de outubro de 2025, aponta que 27 das 40 associações com Acordos de Cooperação Técnica (ACTs) ativos para descontos em benefícios previdenciários estão diretamente ligadas a empresas e operadores investigados pela Polícia Federal (PF) e pela Controladoria-Geral da União (CGU).

Essas descobertas ampliam substancialmente o escopo da Operação Sem Desconto, deflagrada em abril deste ano, e revelam como práticas fraudulentas estavam institucionalizadas no sistema de concessão de descontos em aposentadorias e pensões.

Contratos com empresas dos próprios dirigentes

A apuração interna do INSS evidencia que diversas entidades contrataram empresas pertencentes aos seus próprios dirigentes ou intermediários diretamente ligados a lobistas já identificados pela PF como peças-chave no esquema.

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Entre os casos mais emblemáticos, está a contratação de firmas envolvidas na falsificação de assinaturas, procurações e documentos apresentados ao INSS como válidos para efetivar novos descontos em folha.

O papel do “Careca do INSS”

Antônio Carlos Camilo Antunes, popularmente conhecido como Careca do INSS, é citado em sete processos de estabelecimento de ACTs. Os documentos incluem e-mails, autorizações e procurações assinadas por ele, inclusive em nome de associações como a Ambec (Associação de Beneficiários, Pensionistas e Aposentados do Brasil).

Um desses documentos, segundo o levantamento, foi entregue com procuração assinada por Maria Inês Batista de Almeida, ex-presidente da Ambec e ex-faxineira da empresa Prevident, de Maurício Camisotti — outro nome central nas investigações.

Ambec: R$ 500 milhões movimentados até abril

Ambec movimentou cerca de R$ 500 milhões entre 2021 e abril de 2025, exclusivamente via descontos de aposentados. Maria Inês, tida como testa de ferro do esquema, faleceu em novembro de 2024. Camisotti, seu empregador na Prevident, foi apontado como beneficiário final de ao menos três associações e preso em setembro deste ano junto com Antunes.

Durante depoimento à CPMI do INSS, Antunes negou ter contato direto com dirigentes da Ambec, Cebap e Unsbras, alegando que Camisotti era o verdadeiro representante das entidades, atuando como interlocutor junto ao INSS.

Fichas digitais sem segurança e procurações repetidas

Em meio à pandemia, Antunes solicitou formalmente ao INSS, em nome da Ambec, autorização para registrar novas filiações utilizando apenas assinaturas digitais. Posteriormente, a entidade enviou fichas de filiação sem qualquer elemento de segurança que permitisse confirmar a autenticidade dos documentos.

Além disso, o cruzamento de dados revelou que os mesmos procuradores apareciam representando diferentes entidades, com indícios de atuação em série. Um exemplo é o advogado Cecílio Galvão, que mantém escritório em Recife e aparece com procuração de uma aposentada residente em Taguatinga (DF), levantando suspeitas sobre o alcance da fraude.

Conexões com outras sete entidades

Outras sete associações apresentaram solicitações ou contratos firmados em nome de Antunes ou demonstraram vínculos com empresas dirigidas por ele ou seus sócios. Entre elas, destacam-se:

  • Keeper
  • Cebap
  • Unsbras
  • AP Brasil
  • Asabasp

Em seus contratos, Antunes era remunerado com comissão de 27,5% sobre cada nova filiação obtida pelas entidades, revelando uma estrutura de captação em larga escala.

Cecília Rodrigues Motta: elo com a alta cúpula do INSS

Outro nome recorrente nas investigações é o de Cecília Rodrigues Motta, investigada por operar para diversas entidades e realizar pagamentos a servidores públicos ligados ao INSS. Documentos mostram sua presença em registros de associações como:

  • Cenap Asa
  • Keeper
  • AAPEN

Em novembro de 2024, Cecília e Igor Delecrode, outro operador, participaram de uma videoconferência com a Diretoria de Benefícios do INSS, segundo registros internos.

Pagamentos milionários a servidores e familiares

De acordo com a PF, o escritório de advocacia de Cecília recebeu R$ 14 milhões de associações envolvidas no esquema. Parte desses valores foi direcionada a:

  • R$ 630 mil para empresas da esposa de Virgilio de Oliveira Filho, ex-procurador-geral do INSS
  • R$ 520 mil para Éric Fidelis, filho de André Fidelis, ex-diretor de Benefícios do INSS

Essas transferências agravam as suspeitas de corrupção ativa e lavagem de dinheiro.

Fraudes digitais e biometria forjada

O uso de tecnologia também foi instrumentalizado pelas associações. Assinaturas digitais e validações biométricas, supostamente seguras, foram validadas por empresas dos próprios dirigentes das entidades.

O caso de Igor Dias Delecrode

Com pouco mais de 30 anos, Igor Delecrode foi dirigente de pelo menos três associações e criou sites de validação de assinatura por meio de sua empresa Power Bi Tech.

Seus serviços foram contratados por oito associações que movimentaram R$ 1,4 bilhão em descontos de benefícios. A Justiça já desconsiderou fichas dessas entidades por suspeita de fraude. Em um dos casos mais emblemáticos, um idoso teria se filiado a uma associação a 580 quilômetros de onde residia, segundo dados de geolocalização.

Participação de ex-bancários e lobistas

O esquema contava ainda com ex-gerentes de bancos e operadores políticos atuando como fundadores e intermediários das associações.

Anderson Ladeira e a AASPA

Anderson Ladeira, ex-gerente do banco BMG, fundou a AASPA logo após deixar a instituição, em 2022. Ele apresentou fichas de filiação ao INSS processadas pela empresa Dataqualify, da qual é sócio. O vínculo estreito entre o banco, a associação e a empresa de processamento levanta questões sobre conflito de interesse e manipulação de dados.

Thiago Schettini e a Keeper

Outro investigado é Thiago Schettini, cuja empresa Pagglo aparece contratada pela Keeper, uma das associações com maior volume de filiações nos últimos três anos.

Sindnapi e ligação com irmão de Lula

irmao de lula

A empresa Confia, também citada pela PF, presta serviços à ANAPPS e ao Sindnapi (Sindicato Nacional dos Aposentados, Pensionistas e Idosos). Este último tem como vice-presidente Frei Chico, irmão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Segundo o levantamento, o Sindnapi realizou pagamentos milionários a empresas de seus próprios dirigentes, o que pode configurar violação de princípios de transparência e gestão sindical.

Reações e providências

Diante das evidências, o INSS afirmou que irá revisar os ACTs de todas as 40 entidades envolvidas, podendo suspender os descontos em folha e instaurar procedimentos administrativos disciplinares e judiciais.

O presidente da autarquia, Alessandro Stefanutto, declarou que o órgão “não tolerará nenhum tipo de fraude ou conivência com esquemas que prejudicam os aposentados”, e que a cooperação com a CGU e a PF será intensificada.

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