Comando Vermelho impõe ‘pedágio’ a comerciantes na Bahia com esquema chamado ‘CV Net’

O Comando Vermelho (CV), uma das maiores organizações criminosas do país, tem expandido sua influência para muito além do tráfico de drogas. Atuando hoje em 23 dos 26 estados brasileiros, a facção encontrou na Bahia, desde 2020, um terreno fértil para ampliar suas atividades econômicas – e isso inclui até mesmo o setor de internet.

“CV Net”: a internet controlada pelo crime

Em bairros de Salvador como Cosme de Farias, Complexo do Nordeste de Amaralina e Engenho Velho da Federação, provedores locais de internet são obrigados a pagar uma espécie de “pedágio” ao CV para continuar operando. O valor cobrado pode variar de 20% a 30% da mensalidade paga por cada cliente. Quem se recusa a pagar, corre sérios riscos – já houve relatos de invasões a sedes de empresas e até agressões físicas.

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“Um rapaz teve a sede da empresa invadida. Levaram tudo e ainda atiraram no pé dele. Ele foi avisado que não poderia continuar trabalhando ali, mas insistiu. Por sorte não morreu, mas teve que sair do bairro no dia seguinte”, contou um comerciante do Engenho Velho da Federação.

Como funciona o esquema de extorsão

O método utilizado pelos criminosos começa com mensagens no WhatsApp, muitas vezes camufladas com imagens religiosas. Quando o áudio é reproduzido, vem a ameaça clara: para continuar trabalhando, é preciso pagar.

Nas localidades conhecidas como Baixa da Égua e Forno, por exemplo, pelo menos duas empresas já aderiram ao pagamento. Um ex-dono de provedor relatou que não conseguiu arcar com as cobranças e acabou passando a clientela para outro fornecedor que aceitou as condições impostas.

“Perdi tudo. Faliram minha empresa. Hoje vivo de outro negócio, no interior”, disse o empresário.

Moradores pagam mais caro — e com medo

Uma moradora da Baixa da Égua contou que paga R$ 60 pelo serviço de internet. “A gente sabe que uma parte vai para os traficantes, mas fazer o quê? As grandes operadoras não chegam até aqui”, disse. A falta de concorrência em áreas dominadas por facções cria um ambiente onde o morador é refém do que é oferecido — e do preço imposto.

Violência e sabotagem: o caso de Tancredo Neves e Cabula

Em Tancredo Neves, também em Salvador, os traficantes tomaram medidas radicais para garantir exclusividade. Em março, equipamentos de empresas concorrentes foram queimados, e a população ficou dias sem internet. Já no bairro do Cabula, a Polícia Militar conseguiu interromper temporariamente a cobrança de pedágio, após uma ação da 23ª CIPM na Estrada das Barreiras. No entanto, o clima de tensão e medo ainda é presente.

Anatel e a brecha que favoreceu facções

Uma resolução da Anatel, criada com a intenção de facilitar o acesso à internet em áreas carentes, acabou abrindo caminho para a atuação de grupos criminosos. A norma dispensou pequenos provedores da necessidade de autorização formal, desde que operem com até 5 mil acessos. Para donos de empresas legítimas, isso facilitou a entrada de provedores ligados ao tráfico, já que a fiscalização se tornou mais difícil.

A agência confirmou ter recebido mais de 220 denúncias sobre provedores clandestinos desde 2020, sendo 30 só em Salvador.

Ceará também sofre com o fenômeno

A expansão do CV pelo Nordeste já atinge outros estados. No Ceará, por exemplo, a empresa GPX Telecom, que atuava há nove anos em Caucaia, encerrou as atividades após criminosos destruírem seus equipamentos.

Impacto nas grandes operadoras

As principais operadoras de telecomunicações do país também enfrentam dificuldades para atuar em áreas dominadas por facções. Segundo a Conexis Brasil Digital, entidade que representa empresas como Claro, Oi, Vivo e Tim, o impedimento de acesso aos técnicos afeta diretamente a prestação de serviços e coloca em risco a vida dos trabalhadores.

“O setor defende uma ação coordenada entre Justiça, Legislativo e Executivo para garantir segurança e acesso livre à internet para todos os cidadãos”, declarou a Conexis.

Insegurança virou rotina até para influenciadores

O influenciador baiano Pedro Valente, que tem mais de 300 mil seguidores, usou suas redes sociais para denunciar que estava há dias sem internet porque a operadora não enviava técnicos ao local onde ele mora, alegando que a área era de “insegurança permanente”.

Extorsão vai além da internet: comércio na mira

Não é só o setor de telecomunicações que sofre com as cobranças. Pequenos comerciantes também estão sendo extorquidos. Na avenida Vasco da Gama, por exemplo, o dono de uma loja de bombas hidráulicas teve a casa invadida e familiares sequestrados por criminosos que exigiram pagamento.

Em Cosme de Farias, salões de beleza, padarias, bares e lojas precisam pagar entre R$ 100 e R$ 300 por semana ou por mês para continuar funcionando. O valor depende do tipo de negócio — e, como dizem os moradores, da “simpatia” dos criminosos com o comerciante.

“Todo mundo paga. Quem não paga, pode acabar como o dono do gás”, diz um comerciante, referindo-se a Gerson Leopoldino Andrade, de 69 anos, morto após se recusar a pagar R$ 7 mil ao Comando Vermelho, em setembro de 2023.

O que dizem as autoridades

Até o momento, a Secretaria de Segurança Pública da Bahia (SSP-BA), a Polícia Civil e a Polícia Militar não se pronunciaram oficialmente sobre os casos. Já o Ministério Público estadual confirmou que está ciente das denúncias, mas não fornece detalhes por se tratar de investigações em sigilo.

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