Um pequeno detalhe — a ausência de uma letra — foi o suficiente para transformar a vida do eletricista Jabson Andrade da Silva, de 56 anos, em um pesadelo. Morador da região do Grajaú, na Zona Sul de São Paulo, ele foi preso por engano após ser confundido com outro homem acusado de estupro de vulnerável. O erro estava no nome: o verdadeiro suspeito se chama Jabison, com um “i” a mais.
Sem antecedentes criminais, casado há 33 anos e pai de duas filhas, Jabson foi surpreendido em casa por policiais civis no dia 7 de julho. Eles cumpriam um mandado de prisão preventiva expedido pela Justiça da Bahia, onde o crime havia sido denunciado. Jabson foi algemado, levado para um distrito policial e, em seguida, transferido ao Centro de Detenção Provisória (CDP) de Pinheiros, na Zona Oeste.
A confusão que custou a liberdade
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O mandado se referia a um caso registrado em Ubatã, cidade no interior baiano, onde Jabison Andrade da Silva — com histórico de relacionamento com a denunciante — teria abusado da enteada entre 2008 e 2015. No entanto, ao longo de todo esse período, Jabson vivia em São Paulo e trabalhava como zelador com registro em carteira.
Mesmo relatando às autoridades que não conhecia a denunciante e nunca havia morado na Bahia durante o período mencionado, Jabson foi mantido preso por oito dias. Segundo ele, o erro já havia ocorrido no passado, em outro processo judicial, quando foi confundido com um homônimo num caso de falso testemunho.
“Na delegacia, me disseram que meu nome aparecia em outros crimes. Eu dizia que não tinha passagem e que estavam me confundindo. Mas ninguém me ouvia. É desesperador você saber que é inocente e, ainda assim, ser tratado como culpado”, relatou ao g1.
Condições degradantes e sofrimento psicológico
Durante o tempo em que esteve preso, Jabson foi colocado em uma ala conhecida como “seguro”, destinada a acusados de crimes sexuais. A experiência, segundo ele, foi traumática. A cela dividia espaço com um detento reincidente que, somando todas as penas, havia cumprido 20 anos de prisão.
“A comida era pouca, o tratamento desumano. Os policiais penais gritavam, nos humilhavam. Um deles mandou eu tirar a mão da grade com xingamentos. Ali dentro, você enlouquece. Muitos surtam. Eu só consegui me manter calmo porque sabia que minha esposa e minha filha estavam lutando por mim.”
A reação da família e a busca por justiça
Assim que Jabson foi preso, a família iniciou uma corrida contra o tempo para provar o erro. A filha dele, Catherine Lourenço, reuniu documentos como carteira de trabalho, que comprova o vínculo empregatício em São Paulo durante o período dos crimes atribuídos ao verdadeiro suspeito. Também buscou apoio na imprensa baiana para tentar alcançar a mulher que havia feito a denúncia.
A mobilização deu resultado. Um jornalista local, vizinho da denunciante, conseguiu intermediar a comunicação com a família, o que colaborou para esclarecer a confusão.
Com base nas provas apresentadas, o advogado Carlos Magno entrou com um pedido de revogação da prisão. O Ministério Público da Bahia reconheceu o equívoco e, no dia 11 de julho, recomendou a soltura. No dia 15, o juiz Eduardo Camillo, da Vara de Ubatã, assinou o alvará de soltura.
“Foi um erro que não desejo a ninguém”
Ao sair do CDP, Jabson reencontrou a família. O alívio foi imediato, mas o trauma permanece. “A prisão injusta deixa marcas. Você perde o chão. Não é só você que sofre, é toda a sua família”, desabafa.
Ele agora pretende acionar o Estado judicialmente. “Não estou pensando em dinheiro. Mas o que fizeram comigo não pode se repetir. Foi uma falta de cuidado, um descaso com a vida de alguém. Precisam ser mais criteriosos”, afirma.
Erros em série e falhas estruturais
O caso de Jabson Andrade da Silva evidencia falhas graves no sistema de Justiça: a ausência de checagens básicas, como data de nascimento, CPF e filiação, permitiu que um erro de grafia culminasse na prisão de um inocente.
Especialistas alertam que a homonímia é um problema recorrente e que pode levar a prisões ilegais, sobretudo quando há falta de integração entre bancos de dados judiciais e policiais. A depender da gravidade da acusação, a simples detenção pode resultar em consequências irreparáveis.
Nota das autoridades
Em nota, o Tribunal de Justiça da Bahia afirmou que a prisão foi resultado de um erro da Polícia Civil e do Ministério Público na elaboração do inquérito. O juiz responsável declarou que, ao tomar ciência do equívoco, determinou a soltura imediatamente.
O Ministério Público da Bahia, por sua vez, confirmou que solicitou a revogação da prisão após identificar “fortes indícios de homonímia”.
A Polícia Civil da Bahia não se pronunciou até a última atualização da reportagem.
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